Como morreu Jesus
Médico legista dos EUA faz uma inédita autópsia de Cristo e explica, cientificamente, o que ocorreu em seu corpo durante o calvário
Médico legista dos EUA faz uma inédita autópsia de Cristo e explica, cientificamente, o que ocorreu em seu corpo durante o calvário
De duas, uma: sempre
que a ciência se dispõe a estudar as circunstâncias da morte de Jesus Cristo,
ou os pesquisadores enveredam pelo ateísmo e repetem conclusões preconcebidas ou
se baseiam exclusivamente nos fundamentos teóricos dos textos bíblicos e não
chegam a resultados práticos. O médico legista americano Frederick Zugibe, um
dos mais conceituados peritos criminais em todo o mundo e professor da
Universidade de Columbia, acaba de quebrar essa regra. Ele dissecou a morte de
Jesus com a objetividade científica da medicina, o que lhe assegurou a
imparcialidade do estudo. Temente a Deus e católico fervoroso, manteve ao longo
do trabalho o amor, a devoção e o respeito que Cristo lhe inspira. Zugibe, 76
anos, juntou ciência e fé e atravessou meio século de sua vida debruçado sobre
a questão da verdadeira causa mortis de Jesus. Escreveu três livros e mais de
dois mil artigos sobre esse tema, todos publicados em revistas especializadas,
nos quais revela como foi a crucificação e quais as conseqüências físicas, do
ponto de vista médico, dos flagelos sofridos por Cristo durante as torturantes
18 horas de seu calvário. O interesse pelo assunto surgiu em 1948 quando ele
estudava biologia e discordou de um artigo sobre as causas da morte de Jesus.
Desde então, não mais deixou de pesquisar e foi reconstituindo com o máximo de
fidelidade possível a crucificação de Cristo. Nunca faltaram, através dos
séculos, hipóteses sobre a causa clínica de sua morte. Jesus morreu antes de
ser suspenso na cruz? Morreu no momento em que lhe cravaram uma lança no
coração? Morreu de infarto? O médico legista Zugibe é categórico em responder
“não”. E atesta a causa mortis: Jesus morreu de parada cardiorrespiratória decorrente de hemorragia e perda de fluidos corpóreos
(choque hipovolêmico), isso combinado com choque traumático decorrente dos
castigos físicos a ele infligidos. Para se chegar a esse ponto é preciso, no
entanto, que antes se descreva e se explique cada etapa de seu sofrimento.
Zugibe trabalhou
empiricamente. Ele utilizou uma cruz de madeira construída nas medidas que
correspondem às informações históricas sobre a cruz de Jesus (2,34 metros por 2
metros), selecionou voluntários para serem suspensos, monitorou eletronicamente
cada detalhe – tudo com olhos e sentidos treinados de quem foi
patologista-chefe do Instituto Médico Legal de Nova York durante 35 anos. As
suas conclusões a partir dessa minuciosa investigação são agora reveladas no
livro À crucificação de Jesus – as conclusões surpreendentes sobre a morte de
Cristo na visão de um investigador criminal, recém-lançado no Brasil (Editora
Idéia e Ação, 455 págs., R$ 49,90). “Foi como se eu estivesse conduzindo uma
autópsia ao longo dos séculos”, escreve o autor na introdução da obra. Trata-se
de uma viagem pela qual ninguém passa incólume – sendo religioso agnóstico ou
ateu. O ponto de partida é o Jardim das Oliveiras, quando Jesus se dá conta do
sofrimento que se avizinha: condenação, açoitamento e crucificação. Relatos
bíblicos revelam que nesse momento “o seu suor se transformou em gotas de
sangue que caíram ao chão”. A descrição (feita pelo apóstolo Lucas, que era
médico) condiz, segundo o legista, com o fenômeno da hematidrose, raro na
literatura médica, mas que pode ocorrer em indivíduos que estão sob forte
stress mental, medo e sensação de pânico. As veias das glândulas sudoríparas se
comprimem e depois se rompem, e o sangue mistura-se então ao suor que é
expelido pelo corpo.
Fala-se sempre das
dores físicas de Jesus, mas o seu tormento e sofrimento mental, segundo o
autor, não costumam ser lembrados e reconhecidos pelos cristãos: “Ele
foi vítima de extrema angústia mental e isso drenou e debilitou a sua força
física até a exaustão total.” Zugibe
cita um trecho das escrituras em que um apóstolo escreve: “Jesus caiu no chão e
orou.” Ele observa que isso é uma indicação de sua extrema fraqueza física, já que
era incomum um judeu ajoelhar-se durante a oração. A palidez com que Cristo é
retratado enquanto está no Jardim das Oliveiras é um reflexo médico de seu medo
e angústia: em situações de perigo, o sistema nervoso central é acionado e o
fluxo sangüíneo é desviado das regiões periféricas para o cérebro, a fim de
aguçar a percepção e permitir maior força aos músculos. É esse desvio do sangue
que causa a palidez facial característica associada ao medo. Mas esse era ainda
somente o começo das 18 horas de tortura. Após a condenação, Jesus é
violentamente açoitado por soldados romanos por ordem de Pôncio Pilatos, o
prefeito de Judéia. Para descrever com precisão os ferimentos causados pelo
açoite, Zugibe pesquisou os tipos de chicotes que eram usados no flagelo dos
condenados. Em geral, eles tinham três tiras e cada uma possuía na ponta
pedaços de ossos de carneiro ou outros objetos pontiagudos. A conclusão é que
Jesus Cristo recebeu 39 chibatadas (o previsto na chamada Lei Mosaica), o que
equivale na prática a 117 golpes, já que o chicote tinha três pontas. As
conseqüências médicas de uma surra tão violenta são hemorragias, acúmulo de
sangue e líquidos nos pulmões e possível laceração no baço e no fígado. A
vítima também sofre tremores e desmaios. “A vítima era reduzida a uma massa de
carne, exaurida e destroçada, ansiando por água”, diz o legista.
Ao final do açoite,
uma coroa de espinhos foi cravada na cabeça de Jesus, causando sangramento no
couro cabeludo, na face e na cabeça. Também nesse ponto do calvário, no
entanto, interessa a explicação pela necropsia. O que essa coroa provocou no
organismo de Cristo? Os espinhos atingiram ramos de nervos que provocam dores
lancinantes quando são irritados. A medicina explica: é o caso do nervo
trigêmeo, na parte frontal do crânio, e do grande ramo occipital, na parte de
trás. As dores do trigêmeo são descritas como as mais difíceis de
suportar – e há casos nos quais nem a morfina consegue amenizá-las. Em busca de precisão científica, Zugibe foi a museus
de Londres, Roma e Jerusalém para se certificar da planta exata usada na
confecção da coroa. Entrevistou botânicos e em Jerusalém conseguiu sementes de
duas espécies de arbustos espinhosos. Ele as plantou em sua casa, elas brotaram
e cresceram. O pesquisador concluiu então que a planta usada para fazer a coroa
de espinhos de Jesus foi o espinheiro- de-cristo sírio, arbusto comum no
Oriente Médio e que tem espinhos capazes de romper a pele do couro cabeludo.
Após o suplício dessa “coroação”, amarraram nos ombros de Jesus a parte
horizontal de sua cruz (cerca de 22 quilos) e penduraram em seu pescoço o
título, placa com o nome e o crime cometido pelo crucificado (em grego,
crucarius). Seguiu-se então uma caminhada que os cálculos de Zugibe estimam em
oito quilômetros. Segundo ele, Cristo não carregou a cruz inteira, mesmo porque
a estaca vertical costumava ser mantida fora dos portões da cidade, no local
onde ocorriam as crucificações. Ele classifica de “improváveis” as
representações artísticas que o mostram levando a cruz completa, que então
pesaria entre 80 e 90 quilos.
Ao chegar ao local de sua morte,
as mãos de Jesus foram pregadas à cruz com pregos de 12,5 centímetros de
comprimento. Esses objetos perfuraram as palmas de suas mãos, pouco abaixo do
polegar, região por onde passam os nervos medianos, que geram muita dor quando
feridos. Já preso à trave horizontal, Cristo foi suspenso e essa trave,
encaixada na estaca vertical. Os pés de Jesus foram pregados na cruz, um ao
lado do outro, e não sobrepostos – mais uma vez, ao contrário do que a arte e
as imagens representaram ao longo de séculos. Os pregos perfuraram os nervos
plantares, causando dores lancinantes e contínuas.
Preso à cruz, Cristo passou a
sofrer fortes impactos físicos. Para conhecê-los em detalhes, o médico legista
reconstituiu a crucificação com voluntários assistidos por equipamentos
médicos. Os voluntários tinham entre 25 e 35 anos e o monitoramento físico
incluiu eletro cardiograma, medição da pulsação e da pressão sanguínea.
Eletrodos cardíacos foram colados ao peito dos voluntários e ligados a
instrumentos para testar o stress e os batimentos cardíacos. Todos os
voluntários observaram que era impossível encostar as costas na cruz. Eles
sentiram fortes cãibras, adormecimento das panturrilhas e das coxas e arquearam
o corpo numa tentativa de esticar as pernas.
A partir desse derradeiro,
corajoso e ousado experimento realizado por Zugibe, ele passou a discutir o que
causou de fato a morte de Cristo. Analisou três teorias principais: asfixia
ruptura do coração e choque traumático e hipovolêmico – por isso a importância
médica e fisiológica de se ter descrito, anteriormente e passo a passo, o
processo de tortura física e psíquica a que Jesus foi submetido. A
teoria mais propagada é a da morte por asfixia, mas ela jamais foi testada
cientificamente. Essa hipótese sustenta que a posição na cruz é incompatível
com a respiração, obrigando a vítima a erguer o corpo para conseguir respirar. O
ato se repetiria até a exaustão e ele morreria por asfixia quando não tivesse
mais forças para se mover. Defende essa causa mortis o cirurgião francês Pierre
Barbet, que se baseou em enforcamentos feitos pelo Exército austro-germânico e
pelos nazistas no campo de extermínio de Dachau. Zugibe classifica essa tese de
“indefensável” sob a perspectiva médica. Os exemplos do Exército ou do campo de
concentração não valem porque os prisioneiros eram suspensos com os braços
diretamente acima da cabeça e as pernas ficavam soltas no ar. Não é possível
comparar isso à crucificação, na qual o condenado é suspenso pelos braços num
ângulo de 65 a 70 graus do corpo e tem os pés presos à cruz, o que lhe dá
alguma sustentação. Experimentos feitos com voluntários atados com os braços
para o alto da cabeça mostraram que, em poucos minutos, eles ficaram com
capacidade vital diminuída, pressão sangüínea em queda e aumento na pulsação. O
radiologista austríaco Ulrich Moedder também derruba o raciocínio de Barbet
afirmando que esses voluntários não suportariam mais de seis minutos naquela
posição sem descansar. Pois bem, Jesus passou horas na cruz.
Quanto à hipótese de Cristo ter
morrido de ruptura do coração ou ataque cardíaco, Zugibe alega ser muito
difícil que isso ocorra a um indivíduo jovem e saudável, mesmo após exaustiva
tortura: “Arteriosclerose e infartos do miocárdio eram raros naquela parte do
mundo. Só ocorriam em indivíduos idosos.” Ele descarta a hipótese por falta de
provas documentais. Prefere apostar no choque causado pelos traumas e pelas
hemorragias. A isso somaram-se as lancinantes dores provenientes dos nervos
medianos e plantares, o trauma na caixa torácica, hemorragias pulmonares
decorrentes do açoitamento, as dores da nevralgia do trigêmeo e a perda de mais
sangue depois que um dos soldados lhe arremessou uma lança no peito, perfurando
o átrio direito do coração. Zugibe usa sempre letras maiúsculas nos pronomes
que se referem a Jesus e se vale de citações bíblicas revelando a sua fé.
Indagado por ISTO É sobre a sua religiosidade, ele diz que os seus estudos
aumentaram a sua crença em Deus: “Depois de realizar os meus experimentos, eu
fui às escrituras. É espantosa a precisão das informações.” Ao final dessa
viagem ao calvário, Zugibe faz o que chama de “sumário da reconstituição
forense”. E chega à definitiva causa mortis de Jesus, em sua científica
opinião: “Parada cardíaca e respiratória, em razão de choque traumático e hipovolêmico,
resultante da crucificação.”.
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